Arrumar a vida como quem organiza gavetas, de papéis velhos e rasgados a recordações antigas e esquecidas.
Arrumá-la em prateleiras vazias, repletas de sims e nãos, de bons e maus, como quem limpa espelhos partidos.
Arrumar os dias em pedaços, desfeitos em desencontros, roídos por um tempo que não passa.
Arrumar o passado por debaixo do tapete rasgado, que ninguém pisa e ninguém calca, que ninguém sacode e ninguém lava, que existe por existir e não para ser lembrado.
Arrumar o que fui e o que não sou em páginas em branco de um livro que nunca escrevi e, no fim, saber que nada do que sou é meu, nada do que é meu me pertence e nada, a não ser um nada profundo, é fruto do meu querer.
Arrumar a vida é como lavar lençóis brancos ao vento. Deixá-los secar em contratempo, sem esperas e sem procuras. É aguentar com a corrosão alva e mesmo assim saber viver com desencontros e desilusões.