quarta-feira, setembro 21, 2005

Falta


É uma parte de mim que ficou longe. É a certeza da distância que tende a aumentar à medida que os dias correm e se atropelam numa amalgama de horas.
Falta-me o ter-te aqui. Saber que te tenho depois de um dia estenuante. Falta-me a tua mão amiga, o teu beijo antes de dormir. Sinto que perco mesmo aquilo que tanto odeio e mesmo assim sinto falta.
Falta dos minutos de monotonia, que logo se compunham por algo que há para fazer. Falta da tua companhia, que me preenche e completa os dias vazios. Falta até das palavras menos boas, das discussões consentidas à hora do jantar. Discussões produtivas porque tu estavas lá. A refeição deixou de ser deliciosa porque me falta a voz que me obriga a alimentar, a mão que me serve, o corpo que me acompanha.
Falta-me a liberdade de fazer o que quero, o que me traz felicidade e não aquilo que sou obrigada a fazer por força das circunstâncias, para evitar a solidão e a tristeza de me sentir só. Falta-me o ser eu própria. Eu ao meu melhor. Eu ao meu mais alto nível. Desconheço aquilo que sou. Estranho-me. Não sei viver assim.
Falta-me a essência de mim. Perco-me na solidão de dias que jamais voltarão. Ou talvez voltem. Mas apenas quando esta falta deixar de me corroer. Ou então quando eu encontrar na monotnia do meu espaço, um lugar sereno onde a possa alojar e aprender a viver com a dor da sua existência.

domingo, setembro 04, 2005

Momentos


A vida é feita de momentos e é a soma de momentos perfeitos que nos emprestam o sabor da eternidade e é por isso que a amizade é o mais belo dos sentimentos, porque é o amor sem crédito nem débito, porque nem pensamos antes de falar, porque sabemos que, digamos o que dissermos, o outro que és tu e que sou eu vai perceber e aceitar tudo.
Margarida Rebelo Pinto



Disseste-me um dia que são os pormenores que fazem os momentos e eu engoli as tuas palavras, sorridente por ter sido dona daquele instante em que cantei para ti a música do Pedro, que hoje me empurra de volta ao passado, para junto de ti.
Se calhar tornei-me pouco sensível aos suspiros de frases alheias que se tornaram próprias de cada um quando se identificam com elas. Se calhar a vida incentivou-me a curvar o pescoço e a colar os olhos no chão, onde o meu campo de visão não se estende para além do meu próprio umbigo. Se calhar transformei-me em algo que nunca fui, por razões que nunca existiram e às tantas nunca deixarão de me assombrar.
Por isso, naquele dia devia ter-te dado mais atenção, devia ter meditado e não me ter limitado a engolir as tuas palavras. Se o tivesse feito, não estaria agora tão surpresa por ter concebido a mim própria o melhor momento da semana quando ontem ouvi a tua voz, e os melhores momentos da minha vida cada vez que me dás a mão, me abraças, me segredas ao ouvido nas tuas expressões angelicais, exactamente aquilo que preciso de ouvir para o meu coração acordar de vez, estremecer e me dar razões para ter a certeza de que afinal ainda vive e eu não me limito a vegetar.
Foi isso que me fizeste: colocaste um semáforo encarnado na minha existência vegetal, monótona e estática, para reacenderes o verde, a esperança de que talvez esses momentos se pudessem repetir no dia seguinte, e no outro, e no outro...
Porque tu foste o pormenor que transformou a minha vida num momento que se irá prolongar eternamente.