segunda-feira, novembro 13, 2006

Olhos que não vêem

Há uma fila interminavel de gente que inicia mais uma semana de trabalho. Há um atropelamento contínuo de pés, de malas e de vozes. Um percurso acidentado que se sucede todas as santas semanas, em todos os primeiros dias.
Os olhares são quase sempre os mesmos. O clima arrefece o coração e o pensamento é transportado para um lugar longínquo. Quase tão longínquo quanto a nossa casa se vai tornado, assim que o comboio desliza pelos carris frios.
E eu olho pela janela os mesmos lugares, as mesmas paisagens. os actos são sempre os mesmos, rotineiros, batidos, pouco sentidos. Nunca há nada de novo, nunca há nada alegre na hora em que me sinto afastar daquilo que realmente me faz feliz.
Às vezes, num disparo de agonia sinto alguns corações baterem diferente, ouço alguns pensamentos perdidos e nasce-me a vontade. De correr, de gritar contra tudo. Como se todos fossem culpados por eu ter que me ir embora.
Hoje, apesar de cá dentro sentir o mesmo de todos os dias, houve algo que desviou a minha atenção. Tantas são as vezes em que olhamos e não vemos ou mesmo as vezes em que vemos e preferiamos não ver. Somos tão injustos...
Uma rapariga saiu do comboio, tal como eu. Era jovem, tal como eu. Cabelos compridos, olhar posto no infinito, tal como eu. A mão ia estendida em frente, segurando algo, tal como eu segurava. Aa minha mão rodava a mala que transportava tudo aquilo que ainda posso trazer comigo. Na mão dela, também algo que ela não pode abdicar. A vida que lhe tiraram, ofereceu-lhe o dom de ter sempre consigo uma companhia.
E mesmo rodeada daquele mar de gente vulgar, mesmo partilhando com eles aquele dia igual a tantos outros, naquele instante o meu momento fechou-se nela... O meu mundo afunilou.
Então vi-a. Era a Susana e o cão que lhe deu o olhar que a vida lhe roubou.

2 comentários:

Anónimo disse...

As tuas palavras são sempre tão parecidas com sentimentos meus...sentimentos de 2ªfeira... =)
Um dia em que tudo é tão vazio, em que o coração xora e dá vontade de explodir, voltar pra trás...
Mas na verdade, existem sempre coisas diferentes e que nos fazem pensar que se calhar existem coisas bem piores...apercebemo-nos que provavelmente o nosso drama nem é assim tão grande...

Belo texto... Bjinhx!

Sandrinha disse...

Eu não sei onde vais encontrar palavras tão apropriadas, frases tão recheadas de sentido, um texto sempre a tranbordar de emoção... adoro o modo como escreves, simplesmente!