Porque nestes dias, são tantos, tão bons e maus os sentimentos...
Memórias de infância que bailam e rodopiam num tempo presente que não quero sentir.
Preciso não dormir
Até se consumar o tempo, da gente
Preciso conduzir um tempo de te amar
Te amando devagar e urgentemente
Pretendo descobrir, num último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
Que bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair doente, doente
Prefiro então partir a tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te querer te encontro com certeza
Talvez no tempo da delicadeza
Onde não diremos nada, nada aconteceu
Apenas seguirei como encantado ao lado teu
(Chico Buarque)
terça-feira, março 23, 2010
quinta-feira, março 04, 2010
Castelo de Cartas
Detesto jogar cartas, mas sinto que, às vezes, a vida me desafia para jogar contra ela.
Como não sei distinguir trunfos de biscas, nem cenas de duques, pergunto-lhe se não posso, em vez disso, fazer um castelo de cartas.
De sorriso manhoso, ela responde que sim. E até me vai ajudando a erguer, uma por uma, em triângulos de copas e espadas, o meu castelo.
Durante largos dias, por vezes meses, tempos infinitos de ilusão, o meu castelo vai ganhando consistência. Primeiro ténue, quebradiço e inseguro, mas, com o tempo, as cartas vão-se sucedendo em sequências lógicas, em pequenas construções seguras, em ilusões que começam a ganhar sentido.
Quando não sei se devo continuar a construí-lo, quando não sei qual a carta que sucede, quando não sei se vale a pena continuar, é ela, a vida, que do outro lado da mesa me incentiva, me diz "não desistas" e até me compra um novo baralho, para me levar a continuar.
E continuo.
Chego, finalmente, ao fim. Ao fim do tempo, ao fim do meu castelo de cartas, ao fim de dias imensos de crenças e de ilusões. E quando me preparo para colocar a última carta que, por sinal, é o ás de copas, eis que uma rajada de vento, que mais parece um sopro, abala por terra todo o meu trabalho de meses, de dias, de anos. Com o meu castelo de cartas caem todas as minhas seguranças, as minhas ilusões, os meus alicerces. Com ele, cai também a minha vida que, prostrada no frio do chão, ri à gargalhada da ilusão que foi criando em mim.
Foi ela, a minha vida, quem soprou com desdém, a minha construção de sonhos e ilusões. O meu castelo de cartas.
Talvez devesse ter jogado com ela à sueca.
Foto: aqui