sábado, setembro 30, 2006

Um sonho tornado real

Há sonhos que nascem connosco, há outros que crescem ao longo da vida.
Foi um dia, quando os meus sábados de manhã ainda não eram perfeitos, quando juntava a minha voz a dezenas delas na Academia que me ensinou a amar a música, que o Cats entrou na minha vida.
"- Tenho uma nova música para vocês". As notas entoavam algo como "Oh, well, I never was there ever a cat so clever as magical Mr Mistoffeles..."
A primeira vez que assisti ao espectáculo foi pela TV, dias mais tarde, como se o destino me estivesse a apontar pistas para aquele que seria o mais fabuloso climax de música e dança a que alguma vez poderia assistir.
O sonho nasceu na utopia de o encontrar no West End (New London Theatre). A impossibilidade de o concretizar confirmar-me-ia o facto de ser apenas mais uma fantasia.
Mas, como sempre me ensinaram, quando Deus nos fecha uma porta, abre-nos algures uma janela. E a brisa chegaria no dia 14 de Setembro de 2006, ao Coliseu do Porto.
O camarote era só meu e aos primeiros acordes, os milhares de pessoas em redor deixaram de existir assim que me fundi naquela excentricidade de sons que dançavam diante mim. As vozes atiravam-se para o infinito, os corpos moviam-se num bailado encantador.
Vidas que, num processo de metamorfose belíssimo, personificavam o viver de uma comunidade de gatos vadios que se reunem todos os anos para eleger aquele que será elevado à divindade.
As minhas mãos batiam palmas freneticamente sem que pudesse controlar, a minha voz queria juntar-se à deles e o meu corpo bailar ao mesmo ritmo. A altura impediu-me de o fazer, mas foi incapaz de conter as lágrimas recatadas da emoção enclausurada durante tantos anos de sonho ardente.
Porque tudo o que custa a alcançar tem sempre um sabor especial...
O Cats foi a mais bela manifestação musical a que alguma vez assisti.
Um sonho tornado real.

sábado, setembro 23, 2006

Tempo

Vai e vem como o vento, como o sol em dia de tempestade, como as estrelas em noite de lua nova.
Corre quando se deve arrastar e rasteja quando deve galopar.
É cruel e brincalhão, trocista e rezingão.
Esconde-se no fio dos dias, por detrás das colunas do coração e troça de mim...
Passa, e quando passa deixa sempre algo para trás.
Tem fases... Eu costumo dizer que "é de luas"... Ora é leve e passa despercebido por entre o mar de pensamentos que me preenchem, ora se enche de orgulho e se reveste de importância, instalando-se na memória e ocupando os espaços vazios.
Não vivo sem ele, mas por vezes odeio-o e quero poder "cortar-lhe as pernas, para que deixe de correr" ou, quem sabe, oferecer-lhe umas asas para que aprenda a voar...
É o tempo.
E dele, o Abrunhosa fala assim:

Batem relógios no raiar dos dias,
Por cada batida novas fantasias.
Loucas palavras, luzes cor de mel,
E Ventos que trazem nuvens de papel.
Diz-me o que hei-de eu fazer,
Sinto no tempo o meu tempo a morrer.
Quanto mais longe, mais perto de ti.
Vozes ao longe chamam por min,
Cantigas, magia, passos de arlequim.
Estrelas cadentes na palma da mão,
Milagres, duendes, rasgos de paixão.
Diz-me o que hei-de eu fazer,
Sinto no tempo o meu tempo a morrer.
Quanto mais longe, mais perto de ti.
Ouço os segredos do fundo do mar,
Barcos perdidos, sereias a cantar.
Trago o teu nome escrito no peito,
Volta para mim, faz teu o meu leito.
Diz-me o que hei-de eu fazer,
Sinto no tempo o meu tempo a morrer.
Quanto mais longe, mais perto de ti.
(Pedro Abrunhosa, Tempo)

sábado, setembro 09, 2006

Um lugar para recordar



Espero o momento da partida que não desejo, Aguardo que se façam bons ventos
Ponho a mochila às costas
E leio os meus pensamentos.
Os passos são leves e deixam um rasto infindável
A respiração calma, quase calada
Olho para trás pela última vez e agora sei que não quero partir.
Os dias de ontem sorriem-me largamente
Em movimentos secretos de alegria
Há acenos de mão, abraços apertados e vozes que se fazem ouvir.
No fundo sei que me dizem para continuar.
Agora sou eu quem não as quer escutar.
Os passos são cada vez mais ténues e incertos. O fim aproxima-se a compassos marcados. Há uma lágrima roliça que não quero deixar cair, mas antes que eu tenha tempo de a evitar, já o seu sabor salgado se espalha nos lábios.
As vozes são graves, as mãos desenlaçam-se assim que me afasto.
Então as imagens desfocam-se à distância e para trás não deixo nada mais senão um rasto...
A saudade.
A mochila às costas faz-se pesada de recordações
Coloco a mão à porta, sei que não há volta a dar,
Não olho para trás porque já não consigo ver
É de olhos fechados que apago os pensamentos passados
E enfrento o futuro sem a certeza do que irá acontecer.
Sei que não quero ir
Sei que não quero partir
Mas sei que onde chegar
Tenho a esperança que hei-de encontrar
Um lugar seguro para recordar.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Frio no Coração

Abro a janela...

Há um frio que me rasga com a força de um punhal
Há um arrepio, um gélido suspiro carnal
Lá fora, o vento sopra quente,
Há um bafo de verão
Cá dentro, bate calado e frio o meu coração
A vida desfila perante a escuridão dos olhos que não consigo ver
Os sorrisos que tive, os risos que sustive estão prestes a desaparecer
Há lágrimas e suor,
Saudades e recordações que se atropelam com ardor
O bom da vida aparece a preto e branco no filme que gravo ao longo do tempo
As imagens ressaltam o meu pensamento
Faz calor lá fora
Desejo que esta luz nunca se apague, este sol nunca pare de me aquecer os dias ternos
Almejo que estes tempos para mim sejam eternos
O tempo escurece, a lua aparece
O termómetro ainda esquenta a pele queimada e partida
O choque térmico dá-se agora,
Quando tudo dorme excepto o meu coração ferido,
O meu futuro sentido,
A ânsia de que nunca chegue.

Fecho a janela,
Faz frio no meu coração.