Assim se escreve a frase que sintetiza a grande história de Forrest Gump.
Uma história simples, datada dos anos 60, mas que marcou uma fase importante do meu desenvolvimento.
"- Cris, tu quanto eras pequena eras o Forrest Gump" - dizes-me.
Sim, de facto eu era o Forrest Gump. Não porque fosse atrasada mental, gaga ou dona de uma paixão não correspondida. Não porque tivesse decidido dar a volta ao mundo a correr com umas Nike nos pés. Não porque (como se não bastasse) tivesse combatido na Guerra do Vietname e tivesse um colega que só soubesse falar de camarões.
Sim, eu fui o Forrest Gump.
Tudo porque o meu crescimento me pregou uma partida e com apenas um ano me ofereceram uma coisa a que se chama "voador". Que não serve para voar, senão abaixo das escadas...
Tudo porque com apenas um ano eu comecei a caminhar e, sem chegar ao chão sentada no pequeno banco daquela coisa redonda e cor-de-rosa com rodas, comecei a caminhar em bicos de pés.
E assim comecei a andar. Sempre em bicos de pés, tentando ser mais do que era, tentando chegar mais longe do que as minhas capacidades.
Ainda hoje assim sou, mas finalmente tenho os pés no chão.
Não uso voador porque, aos seis anos, decidiram levar-me a um ortopedista. Então passei manhãs e tardes inteiras num cubículo cheio de meninos como eu e como o Forrest Gump. Atraiçoados pelo próprio desenvolvimento motriz. Esperava horas e era atendida por um médico, ou um técnico que me apertava as pernas entre uns ferros desde a anca até ao tornozelo. Daí saía finalmente uma bota ortopédica que estava ligada ao ferro que descia da anca e se prendia a mim como uma sanguessuga através de umas faixas de velcro.
Tudo porque as minhas rótulas decidiram inverter o sentido e começar a rodar para dentro, direccionando as extremidades dos meus pés uma para a outra e fazendo-me caminhar como uma... pessoa menos normal.
E assim foi. Durante cerca de um ou dois anos na minha infância, eu fui o Forrest Gump. Eu usava sempre as mesmas botas ortopédicas quando as minhas amigas podiam usar sapatilhas ou sapatos novos. Eu usava sempre calças quando as minhas colegas podiam mostrar-me as saias novas que a mãe lhes havia oferecido. E eu não podia correr muito, ou arriscava-me a partir o aparelho que (de vez em quando partia só para minha felicidade) me estava a arrancar a parte mais divertida da minha infância.
Por isso sim, eu fui o Forrest Gump.
É que eu só me recordo desse episódio quando mo lembram...
Será que se lembram do último trabalho meu? Será que o leram ou deixaram apodrecer o AUDIÊNCIA no canto mais escondido do banco da cozinha?
Sei que não lhes dou muitas vitórias. Inclusivé não sou aquilo que sonharam que fosse.
Mas por favor, não me lembrem apenas de que fui o Forrest Gump.
Eu cresci e já abri a caixa de chocolates que a vida me deu.
E realmente a mãe do Forrest estava certa: nunca sabemos o que ela nos traz.