Há quem diga que se faz. Eu prefiro acreditar que alguém a faz por mim e que está desenhada há muito tempo num caminho interno que não consigo ver. Entregar-se à sua sorte é resignar-se perante aquilo que a vida reserva. Nunca fui de baixar os braços, a não ser por um só dia, quando as forças me falham e me escondo nos lençóis quentes da minha cama por umas horas. Depois, como se alguma força suprema também se escondesse, rejuvenesço e saio fortalecida, com novas garras para enfrentar a sorte que me espera.
Desde o início de 2009 que me sinto entregue à minha sorte. Penso que deveria ter lutado contra ela, agora acredito que já é tarde. Desde uma multa no carro ultrapassada por uma situação no mínimo embaraçosa, passando por arranhões no mesmo carro e terminando com um pequeno acidente, sem culpa, mas para o qual não me chegou o susto, vejo-me hoje desamparada e sem forças para encarar o que me está a acontecer.
De novo o Leo. As esperanças de que ele melhorasse foram-se avolumando nos últimos dias, fui ganhando coragem para acreditar que seria ontem "o" dia. E era. Se novamente a sorte não o traísse. A ele e a mim. Voltou a piorar.
Com tudo isto, a minha vida parou de girar em torno de mim, da minha ambição por encontrar uma ocupação mais definitiva do que o Audiência. Parece que, de repente, tudo deixou de fazer um sentido claro. Acordo a pensar que hoje será um dia novo e que o Leo vai voltar para casa e quase nem reflicto sobre aquilo que me trouxe cá. Estou feliz com a minha condição? Será que já não procuro um trabalho estável, uma vida futura, um aconchego emocional?
Não. Hoje só quero que ele não sofra, só não me quero sentir culpada. Só quero estar entregue à sorte que me traiu, ao azar no qual não creio e a mim própria, em que já não sei se acredito.
Não sou a Cris que me conheço, a Cris que todos conhecem. Deixem-me amargar a minha falta de sorte, deixem-me acreditar que tudo vai passar. E por favor, aqueçam-me os lençóis que são só meus. Hoje não quero ser eu. Quero ganhar a minha sorte.
sexta-feira, fevereiro 27, 2009
quarta-feira, fevereiro 25, 2009
Só quem os tem percebe do que falo
A minha casa é grande como o sol. No pátio, há jardins e árvores com flores que nascem na Primavera. Os raios são quentes no Inverno frio e as sombras são refrescantes quando o calor do Verão aperta.
É o meu habitat natural. Sempre aqui vivi. Vi, de perto, as transformações que sofreu. De casa agrícola, velha e desconfortável, foi-se tornando, ao longo dos anos, num lugar onde dá gosto viver. Diria que é digna de ser vista, digna de ser admirada. Como já disse, é grande. Tão grande que só poderia dar felicidade a quem nela vive.
Desde pequena que ouço outros dizerem que a casa é tão grande e tão espaçosa que podia dar felicidade a um animal de estimação. Um cão. Nunca me interessou. Eu até corro de medo quando vejo um. Por vezes, na ternura da infância, costumava imitar um cão solitário e choroso, fazendo pequenos rugidos e sons de lamúria deitada no chão.
"Oh pai! Gostava de ter um cãozinho". A resposta sempre foi negativa, mas para ser sincera também nunca me incomodou muito. No fundo, não sabia se realmente gostava daquilo que pedia. Acho que, na verdade, não o queria.
Foi numa das fases de crescimento da minha casa, quando os quartos passaram de velhos e muitos para poucos e luxuosos que me mudei para Braga. Foi lá que comecei a contactar com animais, nomeadamente com o gato de uma grande amiga que Braga me deu.
Era isso. Acho que queria um gato. E o gato apareceu na minha vida. Estávamos em Junho de 2006 e era véspera dos meus anos.
O Leo apareceu para nunca mais me deixar.
Medo
Acredito que os animais têm o seu mundo, que é compatível com o nosso, mas que não é completamente conciliável com o nosso. A irracionalidade deles sobrepõe-se à nossa racionalidade na altura de se separarem as coisas. Porque nós queremos que eles nos percebam e nos obedeçam. Porque eles sabem que nos podem desobedecer, se quiserem, e continuarão a ter razão. Porque são animais. Porque não são pessoas.
O Leo adoeceu, esta semana, pela segunda vez. Levei-o de imediato ao veterinário quando me apercebi que o comportamento dele não estava normal. Depois de quatro horas no consultório, de muitas lágrimas minhas, tive que deixar o Leo internado, a soro, num cubículo rodeado de grades.
Não morreu. Fiquei feliz. Mas sofreu. De quem será a culpa?
Sofreu ele e sofri eu por ter assistido a toda aquela tentativa de salvamento. Sabia, no momento em que chorava de pena dele, que não se tratava de uma pessoa, mas de um animal. Mas nascerão eles para sofrer?
A dor que mais dói é a impotência para mudar o sofrimento dos outros. E nessa altura, sim. Eu soube que o Leo dependia de mim. De mim, da medicina e da insistência da médica que o curava.
Sim, Leo. Nunca irás entender o que sinto por saber que sofres. Mas saberá, alguém, aquilo que sentem realmente aqueles que os amam?
Há dias, em conversa com uma pessoa, fui ridicularizada por chorar e andar cabisbaixa por causa de um gato. O meu pai diz-me imensas vezes que tenho que saber separar as águas e estar preparada para me afastar dele. Mas só quem os tem percebe do que falo. E de uma coisa estou certa: quem não ama os animais é incapaz de amar quem quer que seja.
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
Viver
Percorrer caminhos ambíguos, ora tristes, ora alegres, ora desconhecidos, ora os mesmos de sempre.
Viver na incerteza de um amanhã incerto, de pedras de calçada ténues e molhadas pela chuva do amanhecer.
Viver para esquecer o passado, para crer no devir, para mudar o que não se é e pensar no que se quer ser.
Viver para ver o que está para acontecer. Para sorrir, para chorar, para animar.
Viver, enfim, para ver a vida não morrer. Para ver a vida mudar. Para viver uma vida que é minha e tua.
Viver por ti, por mim. Por aquilo que não somos e gostaríamos de ser. Por aquilo que ambos sabemos que jamais seremos. Por aquilo que temos a certeza que sempre iremos ser.
Viver para ver crescer outros, para ver entristecer os que amamos, para chorar com eles, para dormir com eles, para amá-los.
Viver, enfim, para não morrer.
Porque a vida é uma eterna fauna de dores, alegrias e angústias saudáveis. Porque a vida é uma morte constante.
Viver na incerteza de um amanhã incerto, de pedras de calçada ténues e molhadas pela chuva do amanhecer.
Viver para esquecer o passado, para crer no devir, para mudar o que não se é e pensar no que se quer ser.
Viver para ver o que está para acontecer. Para sorrir, para chorar, para animar.
Viver, enfim, para ver a vida não morrer. Para ver a vida mudar. Para viver uma vida que é minha e tua.
Viver por ti, por mim. Por aquilo que não somos e gostaríamos de ser. Por aquilo que ambos sabemos que jamais seremos. Por aquilo que temos a certeza que sempre iremos ser.
Viver para ver crescer outros, para ver entristecer os que amamos, para chorar com eles, para dormir com eles, para amá-los.
Viver, enfim, para não morrer.
Porque a vida é uma eterna fauna de dores, alegrias e angústias saudáveis. Porque a vida é uma morte constante.
segunda-feira, fevereiro 09, 2009
Legos. Lembro-me deles?
Lembram-se dos Legos?
Eram peças amarelas, vermelhas, azuis, brancas e pretas. Sozinhas não valiam nada, mas juntas eram capazes de transformam uma autêntica confusão de pedaços de plástico em construções inimagináveis e admiráveis. Eram infinitas, coloridas e tão engraçadas...
Eu tinha um balde inteiro cheio delas. Entretinha-me horas sem fim a dar-lhes um sentido. Nunca os pedaços soltos me deram rigor. Sempre gostei de dar um sentido a tudo na vida.
Tinha 3, 4, 5 anos. Tinha capacidade de construir coisas, de edificar sonhos, de impedir que se destruíssem.
Passaram quase 20 anos. A caixa de legos espera-me, num canto bem guardado da minha casa e hoje penso se ainda terei capacidade para a reconstruir. Farão, hoje, aquelas peças algum sentido para mim? Serei ainda capaz de evitar que as destruam?
Os meus sonhos, hoje, morrem à nascença. Matam-nos sem que tenha tempo de criar um escudo de legos que os protejam. Calcam-nos sem que tenha tempo de chorar ou barafustar por derrubarem o meu trabalho de horas, de anos. Os meus sonhos, hoje, são como os legos que se espalham pelo chão da sala de estar e se escondem por debaixo dos sofás, que a minha mãe só encontra quando vai aspirar. Só a minha mãe encontra os meus sonhos perdidos, debaixo do sofá, carregaos de pó.
Os meus sonhos, hoje, podem ser aspirados por outros e não apenas por mim. Os meus sonhos são como os legos que hoje se constroem. Trazem livro de instrução em linguagem uniforme. Têm regras para serem cumpridos, podem ser lidos por todos. Podem ser meus e dos outros. Não podem ser só meus.
Hoje, os legos não são universais. São grandes e pequenos mas não encaixam naqueles que aguardam há anos na velha caixa vermelha em cima do roupeiro na despensa de minha casa. Não encaixam. Não fazem sentido.
São velhos sonhos adormecidos no canto da minha memória.